VARAIS VAZIOS

Por Ed Santos

Ocorre que no condomínio onde a Paula morava estavam ocorrendo coisas muito estranhas. Todos os dias em frente à porta do 302, Dona Célia se deparava com um cocozinho de cachorro. Ela saía todas as manhãs para caminhar nas quadras arborizadas do bairro, e passava obrigatoriamente em frente à porta do apartamento do seu Cícero. Mas o ex-síndico do prédio tinha um dálmata. E dos grandes. E no prédio, pelo menos naquele andar, não havia nenhum cachorro de porte pequeno. O cocozinho tava lá todas as manhãs, pelo menos há umas duas semanas. Era sempre a mesma coisa, ela saia o cocô tava lá. Ela voltava, o cocô havia sumido. E ninguém sabia dizer quem teria limpado.

Outra coisa que era muito estranha era que o Samuel, o zelador, percebeu que o lixo era todo revirado às sextas-feiras. Nestes dias ele fazia a faxina no seu apartamento e quando ia na lixeira, via que tudo estava uma bagunça só. Não sabia a quem recorrer porque o prédio estava momentaneamente sem síndico, pois o seu Cícero foi acusado de má administração e foi destituído em assembléia geral.

A vida em comunidade é uma aventura e tanto. Os deveres são vários e os direitos um tanto reduzidos, e quando se é preciso união, todo mundo pega seu banquinho e vaza. Ninguém responde por ninguém, muito menos por si próprio. Até parece que estamos num outro lugar, num daqueles países do alto ocidente em que o calor humano dá lugar ao individualismo insensível e gélido.

A Paula sim que era a simpatia em pessoa. Conversava com todo mundo no prédio, desde o porteiro ao jogador de futebol que morava na cobertura. Nos dias em que estava de folga do plantão no hospital, sempre ficava lendo no banco em frente ao hall de entrada e aproveitava pra conversar com todos. Ali ela testava sua simpatia e sua popularidade com os condôminos. Num dia, enquanto lia despretensiosamente um livro de poemas ilustrados pelo namorado designer, ouviu as duas moradoras do 409 reclamarem para o seu Cícero que estavam sumindo suas calcinhas do varal. Seu Cícero tentava esquivar-se afirmando que não teria nenhuma responsabilidade sobre o fato e que procurassem o Samuel, o zelador.

Fechando o livro ao mesmo tempo em que se levantava, Paula acabara de lembrar que havia estendido roupa naquela manhã. Ao chegar na área de serviço do apartamento, tarde demais: suas calcinhas não estavam lá. Tarde demais pra chorar, porém hora certa de decidir. Ela seria candidata a nova síndica do prédio.

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