E a mãe gritava tempestade

de Miguel AngelDa primeira vez que falou, alguém gritou:
"Pára com esse berreiro, garoto!"
Da segunda vez disse alguma coisa, e ouviu gritarem:
"Vai pra escola e aprende a falar, moleque!"
Depois, toda vez que falava, ouvia dos outros:
"Que tá falando menino? Cala a boca que é muito criança!"
Então trocou palavras por assobio:
Logo de madrugada na ponta do bico, o assobio despertava com ele.
"Pára, que não ouço o galo cantar!" - a mãe no quarto.
E o papagaio, ciumento cordial, imitava no bico, tentando o assobio.
"Pára, que vai confundir o coitado" - a mãe na cozinha.
Ela dizia o tempo todo: "menino, para que vai chamá as galinhas"
Mas o garoto não queria parar. No assobio, o cantar e o falar.
Se perguntar, respondia com assobio.
Se cantarem, ele, assobiante, a acompanhar.
Se pensar, nem pensar!
Que o ressabio confundia o assobio.
"Menino pára com esse ruído que não ouço o leite ferver!"
Mas que biquinho magoado é esse na boca do constante assobiador?
"Mas o assobio não era um ventinho com música?" - pensava o menino.
Vento pequeno traz tempestade.
E a mãe gritava tempestade:
"Menino, pára com isso e fala!"
Para quê, se assobiando falava melhor?
"Que algazarra! Sai já daqui!"
Então pegou desgosto, pegou assobio que ninguém gostava, e foi-se embora!

Encontra e se esconde na floresta.
De repente diferente, fica mágica quando ele assobia.
E assim descobre o encanto de ser ouvido e dançado.
Numa festa de floresta, os galhos a dançar, dos ramos as folhas a cair, roçam de pontinha o chão verde, dão passinhos para ouvir melhor o conserto do assobio concertando o silêncio.
Os passarinhos sem ciúme rodopiam trinando, acompanhando o novo amigo trinador.

"Onde, o assobiador, dona?"
"Cadê aquele menino?"
"Onde que se meteu?"
"Não volta mais, dona?"
"Ih, a floresta comeu! Será?"
"A calada dentro da casa e o menino longe dela"
"Ai, como dói esse sossego!" - chora mãe...

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