O Presente

Por Hemerson Miranda



O sol estava prestes a se pôr. Ele estacionou na primeira vaga que viu. Havia saído a pouco tempo do trabalho, os amigos o tinham convidado para comer uma pizza, mas ele recusou educadamente, já que hoje era um dia especial e ele precisava fazer uma coisa. Saiu do carro e caminhou do estacionamento até a entrada do shopping.

Hoje estava completando um ano de casamento. Ele o conhecera num aniversário de uma amiga da empresa. Isso foi há dois anos. Compartilharam vários gostos em comum. Começaram uma amizade profunda, combinavam de sair sempre e essa amizade colorida finalmente se transformou em um namoro. Seis meses depois os dois estavam morando juntos. A felicidade finalmente fora consumada para ambos. O casamento foi não só a coisa mais importante que aconteceu na vida deles, mas também foi uma vitória contra o preconceito de que ainda eram vítimas por parte da família.

Eles haviam combinado naquele dia de irem jantar num de seus restaurantes prediletos, mas antes ele iria comprar um presente especial para o amor da sua vida. Uma roupa seria o mais ideal, já que o enchera de livros, perfumes e outras coisas das quais ele não precisava no momento. Mas também não conseguiu tirar da mente a curiosidade do presente que ele lhe daria. Por essa hora ele também estava saindo do trabalho e já estava chegando em casa, dessa forma lhe faria uma surpresa.

Andou por algumas lojas e decidiu entrar na de marcas mais caras. Não se preocupou com o dinheiro neste dia, mesmo que economia fosse uma coisa que ele priorizava. Era um dia especial e ele resolvera não se preocupar com nada além da felicidade de seu parceiro e da emoção de estarem completando um ano de casados. Até imaginou as piadas que ele faria quando soubesse que havia gastado.

Escolheu uma camiseta cor de salmão que ele mesmo pensou em comprar em outra ocasião de tão bela que achou. Uma calça de um tecido caro, porém de um material muito bom. Sapatos de couro da cor creme, exatamente a cor de sapato que ele sabia que seu marido gostava. E sorria ao estar ali se lembrando dos gostos de seu amor e tendo lembranças de um ano de convivência. Faltava o cinto e talvez uma gravata. Uma moça alta, de longos cabelos loiros, o ajudou com muita competência a escolher os objetos que faltavam e ainda aconselhou um chapéu que estava na moda, o qual ele aceitou sabendo que se ele não gostasse ficaria pra si.

Saiu da loja com a sacola numa mão e o celular na outra olhando a hora. Visualizou mais algumas vitrines para ver se poderia comprar algo mais, só que desistiu e voltou para o estacionamento. Sua mente fervia de pensamentos, de lembranças dos dois juntos, sorrindo e chorando algumas vezes. Era certo que não tinham tanta experiência quanto alguns casais com muitos mais anos juntos, mas sentiam-se como já tendo vivido a bastante tempo, cultivando um amor que só fazia crescer. Ambos se consolavam por causa de seus pais que não aceitavam sua união, pelas lástimas de suas mães, a discórdia de seus irmãos. Formaram uma família que não estava destinada a desavença como a que eles conviveram por tantos anos. Um relacionamento de cumplicidade que fazia inveja a muitos outros casais, incluindo heteros. Viviam suas vidas almejando apenas a felicidade, mesmo que ela persistisse em não permanecer sempre com eles.

Ele entrou no carro e caiu no banco jogando a sacola ao lado. Deu um suspiro fundo. Temia dentro de si, em algum lugar tão escuro criado por ele mesmo, perder aquele companheiro que completara a sua vida. Temia perder a única pessoa que lhe compreendia, que o amava de forma tão calorosa que o fato de acordar todos os dias olhando para ele faziam com que a semana fosse tão mais suportável.

Sairia agora do shopping, chegaria logo em casa e o abraçaria como se nunca mais permitisse soltar-se de seus braços.

Mas as probabilidades dos acontecimentos nem sempre nos são detalhadas. Por mais que se possam calcular essas probabilidades nós nunca temos tempo de computa-las para evitar aquilo que possa tornar a nossa vida mais miserável ainda do que já é.

O seu marido também havia estado naquele shopping e, por uma razão que nunca será conhecida, eles não haviam se encontrado. Ele fora lá de carona com uma amiga de infância para comprar um presente para o seu aniversário de casamento. Também já havia comprado e estava voltando para o carro que não ficara no estacionamento, mas na rua do lado do shopping.

O outro dirigia saindo do mesmo estacionamento com sua cabeça nas nuvens de tanta alegria. A alegria era tanta que não viu quando alguém estava próximo de entrar num carro estacionado perto da calçada. Não viu a silhueta levantar as mãos. Não ouviu os gritos que lhe eram familiares, mas que no momento pareciam desconhecidos. Não percebeu nem quando saíra do carro para ver a pessoa que atropelou.

Tudo o que ele viu foi o corpo de seu marido jogado no chão sangrando em torrentes, inerte. Sua amiga ao lado do corpo chorando e gritando em desespero.

Colocou as mãos na cabeça. Lágrimas brotaram de seus olhos em profusão. Não podia acreditar que aquilo estava acontecendo. O tempo parecia passar tão rápido e mesmo assim em câmera lenta. Só o que viu foi a multidão se aglomerando. Sua amiga segurando em seu braço falando algo que ele não entendia. Ouviu a sirene da ambulância. Viu os paramédicos tentarem acordar o homem. E a última coisa que ele viu foi um deles se aproximar com a cabeça balançando negativamente, um ar de tristeza em seu rosto. A amiga o abraçando. O som de tudo parecia ter ido embora. As cores começavam a ficar cinza. Apenas o bater de seu coração podia ser ouvido. A metade de sua vida estava ali na sua frente, morta, no chão e agora a outra metade não suportaria mais viver.

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