Crônica de Gustavo do
Carmo
Entrar no
mercado de trabalho só se consegue com Q.I.
Não o Quociente de Inteligência, mas a abreviação da frase Quem Indica.
Em qualquer função, de qualquer nível de instrução. Procurando emprego ou não.
Há quem diga que
é preciso correr atrás onde a oportunidade está. Conseguir alguma coisa depois
de correr atrás, sem saber onde ela está, só com muita sorte. O anúncio de emprego é o exemplo mais prático da expressão citada no
início do parágrafo.
Uma empresa que coloca um anúncio no jornal ou
na internet recrutando gente, geralmente, recebe 100 currículos por dia e uns
1.000 por semana. É preciso selecionar para a entrevista apenas 10% disso. E
neste índice entram somente as pessoas que agradam ao selecionador. Aí mesmo já
tem uma indicação. Isso quando não aparece o currículo de um parente, namorado,
noivo, marido, esposo(a) ou amigo do selecionador. Neste caso, as chances de
quem está sozinho na batalha pelo emprego reduzem quase que totalmente.
Quando eu disse
que o Quem Indica domina o mercado de trabalho de todas as funções e em todos
os níveis é porque eu tenho vários exemplos na minha família. Minha mãe chegou
ao Rio, vinda do interior do estado, para trabalhar em uma empresa de ônibus
indicada pelo cunhado dela, que era gerente. Meu tio, que eu não cheguei a
conhecer, porque morreu uns dez anos antes de eu nascer, pediu à minha mãe, quase em seu leito de morte, que seu cargo fosse ocupado pelo seu irmão, que estava
chegando de Goiás. O jovem encarregado da bilheteria na rodoviária viria a se
casar com a minha mãe e se tornar o meu pai.
Mais de trinta
anos depois, minha irmã foi indicada duas vezes. A primeira para estagiar em um
centro de tecnologia mineral e a outra para trabalhar onde ela está até hoje,
na área dela, de engenharia química. E eu recebendo sermão de que não corro
atrás, que as oportunidades não caem do céu e etc. Mas apoio que é bom mesmo eu
não recebo, a não ser da minha mãe. A carreira que eu escolhi é a que mais pede
QI: a de jornalismo. E a alternativa também: a de escritor.
Por ser muito tímido e carente, não consegui
manter os "amigos” que eu fiz nas duas
faculdades (jornalismo e publicidade) e pós-graduações (Gestão da Cultura e
Telejornalismo). Todos sumiram e não tiveram nenhuma vontade de me procurar
(sou discriminado até hoje por ser tímido e pessimista). Quando cobrei fiz
desafetos.
Além de não ter
QI, tenho gente que fecha as minhas portas. Alguém que faz a minha caveira
(A.Q.F.M.C. ou QD – Quem Desestimula). Aposto que alguém da panelinha da pessoa
que se interessou por mim chega nele e diz para não me chamar pra trabalhar. E
aí não sou chamado.
A pós-graduação
de telejornalismo eu fiz apenas para conhecer amigos. Só conheci um grupinho
esnobe que só dava oi para as panelinhas (coordenadora inclusive) e outro que
se fingia de amigo, mas na hora H, mais especificamente no trabalho final do curso (que abandonei)
me deixou sozinho. Só fiz mais desafetos. Quanto a eles, a maioria conseguiu
emprego ou se promoveu. Na base do Quem Indica, claro.
No mundo
artístico é ainda pior. Porque além de te excluírem, podem roubar as
suas ideias. Afinal, ideia não caracteriza plágio. Como fizeram com um conto meu que parece que inspirou uma
série na TV a cabo. Sem falar na hipocrisia.
Editoras de
livros, pra dar um primeiro exemplo, impõem mil condições para te desestimular
a mandar um original, exigindo cópias impressas em duas vias, sinopse completa,
descrição dos personagens, etc. E tudo enviado pelo correio. Por e-mail não
pode. A resposta nunca chega. Isso quando não dizem
que o cronograma está lotado. Mas os amigos dos editores colocam ponto final
num dia (se não plagiaram de algum escritor sonhador), revisam no outro, mandam
pra gráfica no seguinte e em cinco dias o livro já está em todas as livrarias
do país. E bem divulgado.
Mas o pior da
hipocrisia vem daqueles que anunciam aos quatro ventos que tiveram muitas
dificuldades para conseguir o que têm, em qualquer área, quando na verdade, são
filhos, cônjugues ou amigos de celebridades. E aqueles que não admitem que foram indicados?
Pra chegarem onde estão, com certeza, foram indicados por alguém que não conheciam.
No entanto, também
tem gente ainda mais cara-de-pau que diz que não aceita roteiros de desconhecidos.
Inclusive uma produtora iniciante de esquetes cômicos imbecis e sem graça. E
ainda a emissora de televisão que só faz oficinas de roteiros para os seus
funcionários, parentes, amantes e amigos dos funcionários. Assim é difícil
correr atrás das oportunidades.
Ah! Não posso me esquecer daqueles que sabem
que emprego só se consegue indicado e assim arranja. Parece que é pra te matar
de inveja. E ainda plagia o seu conto através de uma conhecida atriz.
É. Para ter uma
oportunidade eu preciso correr atrás. Atrás de panelinha pra me servir de Quem
Indica.
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