Crônica de Gustavo do Carmo
“Bom dia. O senhor deseja alguma
coisa?” “Você tem a biografia do Samuel Wainer?” “Tenho sim. Espera só um
minuto”. Disse-me o idoso, prestativo e com toda boa vontade, embora sério,
procurando pelo livro que eu pedi em meio a uma pilha de livros velhos num sebo
na Rua da Carioca.
Ele, que provavelmente, era o
dono do estabelecimento, achou o livro em alguns minutos. Comprei porque ia
comprar mesmo, mas compraria do mesmo jeito em retribuição a um atendimento que
quase não existe mais. E olha que isso
foi apenas há quatro anos. Será que passou tanto tempo assim?
Semanas antes, em outro sebo, em Copacabana, perguntei
por um livro e o dono me mandou procurar. Procurei e não achei. Ou melhor, achei outro, de um ex-colaborador
do Tudo Cultural. Comprei este, mas depois não voltei mais. E já fui em outros
sebos em que o atendente se limitou a pesquisar no site Estante Virtual para depois
dizer que não tem. Nem sei se não tinha mesmo.
Está faltando boa vontade e
simpatia no comércio de hoje. O que se vê é muito atendente mal informado, mal-humorado
e sem vontade de atender. Só aborda quando você entra sem a intenção de
comprar. Quando é pra comprar, é um
custo encontrar alguém. Com boa vontade,
então, é acertar na loteria. Parece que eles são treinados para abordar somente
quem não quer comprar.
E em aqueles estabelecimentos em que você vai
pedir uma informação e só encontra representante de fornecedor? As Lojas
Americanas fazem isso na Páscoa e é um inferno. Se eu quero um ovo da Top Cau,
o atendente da Garoto não sabe informar e te empurra um produto dela.
E “ai” de você reclamar desse mau
atendimento. No mínimo é chamado de grosso. No máximo vai parar na delegacia
por ter arrumado confusão.
Certa vez, em uma padaria, a
atendente tinha acabado de ensacar alguns pães que eu havia pedido. Mas, antes
dela me entregar, vi que acabava de sair uma nova fornada. Pedi para trocar
pelos pães mais quentes. Ela me atendeu. Mas jogou o saco que tinha enchido com
violência na prateleira, demonstrando que estava contrariada. E não foi a
primeira vez. Em outra padaria, outra balconista já tinha feito o mesmo. Se eu fosse boicotar iria ficar sem pão, pois
são as duas únicas padarias do meu bairro.
O brasileiro não tem a cultura do
boicote. Mesmo se tivesse, ele é impedido de fazer essa prática porque fica sem
opção, pois muitos estabelecimentos sabem disso e atendem mal.
Sou viciado em Coca-Cola ou Pepsi
e compro sempre duas garrafas de dois litros. Os caixas ou os comerciantes têm
mania de dar apenas um saco plástico, que sempre arrebenta. Aí é que eu exemplifico a diferença entre o bom
e o mau atendimento.
Em um depósito de bebidas que
havia no bairro, um velho ranzinza sempre reclamava. E às vezes até se negava a
reforçar o saco. Uma vez a bolsa arrebentou no meio da rua. Não voltei. Se
arrebentasse de novo jurei voltar e devolver o refrigerante. Parei de ir. Anos
depois abriu outro depósito, por coincidência, duas lojas ao lado. O ambiente
continua simples, mas o atendimento é de outro nível. Moça, irmão, cunhado, pai.
Família muito simpática e prestativa. Continuo indo sempre lá.
Com o exemplo do velho ranzinza e
de outros pequenos comerciantes de pouca vontade que eu já encontrei, cai a
prática de que quanto menor o estabelecimento melhor é o atendimento. Mas na
teoria deveria ser, pois o pequeno comércio precisa de fregueses. Verdadeira
mesmo é a tese de que quanto maior o comércio, pior é o atendimento.
Além das Lojas Americanas, que eu
já citei, os supermercados são clichês nisso. Tão clichês que foram parodiados
pelo Bruno Mazzeo em seu Cilada, que mostrou uma simulação com uma candidata e um
diretor de RH para a afirmação de que o mau-humor é pré-requisito para
trabalhar em supermercado.
Bancos não são comércio (ou
são?), mas atendem mal porque os muitos coitados que estão ali nem são
correntistas. Frequentam porque obrigados a pagar contas de seus patrões e
cobradores. Já funcionários de telefonia
e TV a cabo atendem mal porque todas as operadoras de telecomunicações são
assim e ninguém tem outra opção. Não vão perder clientes mesmo. E os
funcionários públicos não vão perder seus empregos mesmo.
O mau atendimento comercial é o
reflexo da carência educacional do país. Não é culpa apenas daqueles fregueses
que abusam da velha expressão “O freguês tem sempre razão” e vivem reclamando
de tudo, exigindo o dinheiro de volta, alguns até com má-fé, e falando com
grosseria com os comerciantes. Mas também da contratação de gente que está
trabalhando por obrigação, sem prazer e, mais uma vez, por causa da falta de
formação escolar de funcionários que mal sabem ler, escrever e sequer fazer
contas. Sem falar de funcionários que
foram contratados por falta de oferta de mão-de-obra, indicação, imposição
familiar e até projetos de inclusão social.
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