Conto de Gustavo do Carmo
—
Bom dia. Eu vim para a entrevista com a Fabiana.
Disse Adriano para a
secretária da dona da produtora de cinema, que o havia chamado para conversar. Ele
não fora indicado por ninguém. Tinha mandado um currículo há algum tempo, pela
internet. Pedira uma oportunidade como roteirista.
Patrícia, a secretária, se
assustou com a aparência do candidato: extremamente magro, totalmente careca e
andando com bastante dificuldade, apoiando-se em duas muletas. Também não
conseguia falar direito. Aliás, quase não tinha mais voz, que saía bem rouca.
— Pois não. Você veio para
qual vaga? Respondeu a secretária, assustada.
—
Roteirista.
— Ok. Eu vou entregar o
seu currículo a ela. Levantou-se, tentando disfarçar a sua fisionomia de nojo.
—
Mas ela já tem o meu currículo.
— Na verdade, é a sua
ficha. Esclareceu, gaguejando.
Patrícia deixou a recepção
e entrou na sala de Fabiana. Batendo a porta, ela se anuncia e é autorizada por
um seco “Entra”. Depois de encostar bem a porta, correu logo para a patroa e
amiga. Avisou sussurrando.
— Fabiana, o Adriano,
candidato à vaga de roteirista já chegou.
— Ok, Patrícia. Pode
mandar entrar.
A secretária ficou parada
em silêncio. O tempo para Fabiana consultar o computador e voltar a olhar para
a funcionária, ordenando impaciente.
— Tá esperando o quê, Pati?
Vai lá chamar o Adriano!
— É queee...
— É que o quê,
cara-pálida?! Perguntou ríspida.
Realmente a cara de Patrícia
estava bem pálida. Pálida de susto com a aparência do candidato.
— Fabiana, me desculpa. É que o Adriano está
com uma aparência horrível.
— Ele tá bêbado? Xii,
então pode mandar embora.
— É. Está cheirando até
droga! Disfarçou. — Eu vou despachá-lo.
No momento que Patrícia
abre a porta para sair do escritório, a figura debilitada de Adriano invade a
sala de Fabiana.
—
Com licença. A senhora é a Fabiana? Desculpa invadir a sua sala. Explicou-se
com dificuldade.
Não a de um bêbado, mas de um doente terminal.
— O senhor, quem é?
Perguntou Fabiana, depois de trocar olhares assustados com a secretária.
—
Eu sou o Adriano, candidato a vaga de roteirista na produtora.
Fabiana olhou de cara feia
para Patrícia, que mentira sobre a sua real aparência.
— Pois não, Adriano. A
minha secretária disse que você estava bêbado, mas não parece, né, Patrícia? Fitou-a
com olhar repreensivo.
— Me perdoa senhora. Me
perdoa, Adriano. É que eu fiquei assustada com o estado de saúde dele. Desculpou-se,
de cabeça baixa.
—
Tudo bem.
— Está bem, Pati. Pode
sair, por favor. Depois a gente conversa.
— Ok. E, constrangida, Patrícia
deixa patroa e candidato a sós.
— Bem, Adriano. Eu peço
desculpas pela mentira e o preconceito da minha secretária. No entanto,
infelizmente, estou vendo que você não tem condições de saúde para trabalhar
aqui. Você está muito debilitado.
—
Eu sei. Por isso fiz questão de vir aqui. Vim aqui pra dizer que se tivesse me
chamado tão logo mandei o currículo, há três anos, eu teria condições de
trabalhar. Mas no ano seguinte descobri um câncer no estômago e depois outro na
garganta. Estou fazendo quimioterapia, mas já estou com metástase e fui
desenganado.
— Eu dou meus parabéns
pela sua força de vontade, mas por que se sacrificou tanto para vir à
entrevista, se não tem mais condições de trabalhar?
—
Para pedir que você não demore tanto a dar, pelo menos, uma resposta a quem a procura.
E fale a verdade! Se não gostou do portfólio aponte os defeitos e se gostou
contrate logo. Que sirva de lição para os próximos aspirantes a roteiristas. Um
deles pode desenvolver um câncer como eu, mas pelo menos terá a felicidade de
ter trabalhado no que gosta em seus últimos momentos de vida. Pra mim, agora é
tarde demais. Passe bem.
E com as suas muletas, andando
bem devagar e sôfrego, Adriano deixa o escritório de Fabiana e a sede da produtora
Arruda Films. Meses depois, uma amiga de Patrícia foi contratada como
roteirista. Ao mesmo tempo, o sofrimento de Adriano se encerraria.
Fabiana ficou sabendo do
destino de Adriano. Disse apenas “coitado” e seguiu sua vida, produzindo e
dirigindo um conto do ex-candidato, assinado por Patrícia, que ficou rica com ele e
abriu uma produtora concorrente.
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