TARDE DEMAIS 21 – DENTISTA



Conto de Gustavo do Carmo


— Alô.

— Alô. Respondeu a senhora com uma voz triste. 

— Dona Clotilde. Tudo bem? 

— Ah, Doutor Ênio. Mais ou menos. 

— O que houve? 

— Estou sentindo muito a falta do Péricles. 

— O que houve com o Péricles? Perguntou Dr. Ênio assustado. 

— Você não sabia? Ele faleceu há quase um ano. 

— Meu Deus! Mas como? 
— Ah, Doutor Ênio. Não gosto nem de contar. Ele teve um AVC.

— Minha nossa! Disse o dentista, com a voz embargada. — Eu lamento muito. Fico muito triste. Eu tinha ligado para avisar que o material do implante dele chegou. 

— Agora é tarde demais, né, doutor? 

— Me desculpa, Dona Clotilde. O material demorou muito. O fornecedor não conseguia acertar as medidas do osso da gengiva dele de jeito nenhum. 

— Está bem. Mas ele morreu e foi enterrado sem dente. Esperou tanto pela prótese. A senhora, mãe de Péricles, começa a chorar. — Aí ele de repente ficou nervoso quando viu uma repórter no jornal da televisão. Perguntei o motivo e ele respondeu que a repórter era a piranha da colega de pós-graduação dele. Ele tinha vergonha de ver os colegas de faculdade bem-sucedidos e ele sendo obrigado a economizar pelo pai pão-duro. Ficou tão desapontado que teve o derrame e faleceu. 

— Que chato! Então meus sentimentos, Dona Clotilde. 

— Obrigada, Doutor. Agradeceu, já aos prantos. 

O dentista desligou o telefone já com lágrimas nos olhos e com as mãos tremendo. Sua filha moça, que trabalha com ele como assistente, pergunta preocupada: 

— Pai, o que houve? 

— Ah, minha filha. O Péricles, aquele meu paciente que tratava comigo desde que ele era adolescente, morreu. 

— Aquele que em que eu fui ao lançamento do livro dele quando era criança? 

— Ele mesmo. 

— Ah, que pena! 

— Pois é. Agora me faz um favor: joga fora esse material que era dele. 

— Mas você vai desperdiçar o material, pai? 

— Joga fora! Faz o que eu falei, poxa! Exigiu, com irritação. — Ele não serve mais pra ninguém! Mesmo se servisse, eu não vou usar em ninguém. Joga fora. E desmarca as minhas consultas de hoje. 

— Está bem, pai. Mas a Dona Adelaide acabou de chegar. Está esperando lá na sala. 

— Eu vou falar com ela.

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