A DÍVIDA


Conto de Gustavo do Carmo

Fazia semanas que Reginaldo queria falar com a esposa, Alice, mas não tinha coragem. Em um dia claro e quente de verão ele abriu o jogo assim que chegaram da praia.  
— Amor, eu preciso falar com você.
— O que foi, meu querido? Agora eu fiquei preocupada. 
— É um assunto muito sério.
— Fala logo, Regi! O que foi? É alguma doença?
— Ainda não. Mas preciso deixar a minha consciência limpa.
— Credo, Reginaldo! O que foi que você fez? Matou alguém?
— Não!
— Tem outra mulher?


Reginaldo ficou em silêncio. Não respondeu. Mas um minuto depois disparou:

— Eu quero agradecer por tudo o que você fez por mim. Eu paguei tudo o que te devo.
— Mas você não deve nada para mim! Para com essa brincadeira, amor!
— Não é brincadeira. É sério! Eu depositei um milhão de reais na sua conta. Aliás, depositei na nossa conta conjunta, que agora é toda sua.
— Você está louco, Reginaldo??? Eu algum dia te cobrei alguma coisa? Perguntou Alice, já alterada.
— Não cobrou, mas vai cobrar um dia.
— Você não confia em mim, né? Seu desgraçado! Ela diz batendo em seu peito. — Eu tenho certeza que tem outra mulher na parada! Eu vou descobrir! E se eu descobrir te ponho para fora e vou cobrar ainda mais!
— Quem não confia em mim é você! Está vendo porque que eu te paguei? É para o dia em que nos separarmos eu ficar com a consciência limpa. Eu te paguei em dinheiro por tudo o que você deu para mim: a sua fama de atriz que me abriu portas, o emprego para o qual você me indicou, a propaganda boca a boca que você fez dos meus livros, os seus jornalistas amigos que elogiaram os meus livros, as suas revisões que corrigiram as minhas desatenções gramaticais, os cursos de especialização que você pagou para mim, os filhos que você me deu... Agora que eu estou rico quero te pagar tudo.
— Eu não quero nada disso! Eu quero a sua companhia para sempre. Disse, já aos prantos e se abraçando.

Reginaldo a confortou e intensificou o abraço:

— Mas você terá. Só que eu estou pagando por tudo o que você me deu.
Alice se afastou e disse:
— Agora que você me pagou tudo, não precisa mais de mim. Vai embora desta casa, que é minha! Não quero mais te ver! Já estamos kits.
— Tudo bem.

Reginaldo arrumou as malas e foi morar num dos apartamentos de dois quartos que comprara para alugar. Perdeu uma boa renda, mas continuou ganhando dinheiro com as palestras que dava como escritor e as vendas de direitos autorais para teatro, cinema e TV. Continuou escrevendo e enriquecendo.

Alice se arrependeu de ter expulsado o marido de casa. Foi aconselhada pelas amigas, pelo irmão e a mãe a aceitá-lo de volta. A sogra de Reginaldo, que o odiava, passou a adorá-lo, pois um homem que paga as dívidas com a esposa, merece todo o crédito, mesmo que esteja largando-a para ficar com outra mulher.


Reataram o casamento, que durou mais quarenta anos. O casal de filhos que tiveram (Régis e Aurora) cresceu e lhes deu netos e bisnetos. Reginaldo morreu aos noventa anos, viúvo desde os setenta e com a consciência limpa de ter pago a dívida com Alice.  

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