Conto de Gustavo do Carmo
Moacir sempre comeu de tudo.
Desde os saudáveis legumes e verduras até os pecaminosos fast-foods norte-americanos,
passando pelo churrasco, também. Obviamente, preferia esses últimos, embora
nunca tenha rejeitado as comidas naturais.
Seus pais fizeram a parte deles.
Da mesma forma que o obrigaram a comer verduras e legumes nos seus primeiros
cinco anos de vida, acostumaram-no com mimados passeios na McDonald’s, Bob’s e
Gordon, ofereceram-lhe cachorro-quente e pizzas e o recompensavam com saborosos
e suculentos doces e sorvetes quando comia toda uma sopa de cenoura com inhame.
Adorava um rodízio: churrascos, massas,
pizzas, sushi, petiscos...
Foi crescendo e dando prioridade ao sabor em detrimento à saúde. Moacir viveu a infância como um simpático menino gordinho, de bochechas suculentas e paupáveis. Na adolescência tornou-se o gordinho brincalhão e atrapalhado da turma. Chegou à faculdade com a mesma fama, no entanto, muito mais gordo.
Moacir definiu-se um adulto
obeso, ansioso e deprimido. Não conseguiu emprego e nem namorada. Foi
discriminado por todo mundo por ser gordo. Amigos, mulheres e recrutadores de
recursos humanos o rejeitavam. Os da faculdade e outros cursos que ele fez para
se qualificar o abandonaram depois da conclusão.
Também era tímido, tinha déficit
de atenção e transtorno de ansiedade social. O que o atrapalhava nas
entrevistas. Atingiu os trinta anos ainda dependendo das rendas do seu pai que,
obviamente, perdeu a paciência e começou a lhe cobrar.
Obrigava-o a prestar concurso
público ou arrumar um emprego qualquer, mesmo os mais humildes. Quando não
tinha sucesso em suas exigências o aterrorizava com crises financeiras ou
ameaças de deserção.
— Eu vou morrer falido e deixar
você e sua mãe desencaminhados.
Moacir fazia a sua parte.
Distribuía currículos, procurava contatos e fazia alguns concursos. Tímido em
excesso se atrapalhava nas entrevistas. Mas sua obesidade piorava a situação.
Moacir ficava em dúvida se era reprovado por ser tímido, ansioso, desatento ou por
ser obeso.
A mãe, por sua vez, o defendia das
cobranças profissionais do pai. Mas só no momento de discussão violenta e
durante o desabafo pós-conflito. Quando ficavam sozinhos, também dava umas
broncas. Acusava o filho de preguiçoso e o obrigava a fazer dieta. Moacir
tentava, mas não conseguia. A ansiedade e a depressão o levavam a comer tudo de
volta. Já fazia questão de engordar de propósito para ter um ataque cardíaco e
morrer.
Voltando ao pai de Moacir, ele
dava uma trégua nas cobranças profissionais. Mas mudava o foco para o seu peso.
Numa das inúmeras discussões o velho ironizava:
— Você está se preparando para se
candidatar a Rei Momo?
— Ainda não. Mas sabe que o
senhor me deu uma ótima ideia?
Moacir, que já era apelidado de
Momo desde criança, embora nunca fosse esse o seu sonho, decidiu se candidatar
ao Rei do Carnaval. Teria a rainha e as princesas, belas mulheres, em sua
volta. Receberia a chave da cidade das mãos do prefeito e abriria o desfile das
Escolas de Samba.
Gostava de sambar e decidiu ir à
Cidade do Samba se inscrever. Foi desclassificado. Na hora da pesagem descobriu
que estava acima dos 150 kg de limite máximo para ser elegível. Pesava 200 kg. Era
uma nova norma politicamente correta do incentivo à vida saudável.
Frustrado, seguiu até o Centro e
afogou as mágoas num restaurante do McDonald’s. Só saiu de lá rebocado.
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