'SÃO PAULO, A CIDADE ESQUIZOFRÊNICA'

Por Weverton Galease


  Quantas vezes já não nos perguntamos como os 'gringos' veem o Brasil?


  Cada qual a sua região...

  Pois bem, esta crônica se refere justamente a este fato, porém se trata da cidade de São Paulo, por tanto, se prestares atenção, verás que talvez a sua cidade, também não faz parte de um padrão definido à cultura brasileira.


  Um amigo mexicano ao qual passou vinte anos longe de sua terra natal, Guadalajara, viveu um pouco em cidades da Espanha (Santiago de Compostela e Madrid), mas lhe pedi para descrever-me sua visão do que é viver um tempo no Brasil, mas especificamente na cidade de São Paulo. Passemos à crônica! Boa leitura.

  O Brasil foi adentrando à sua vida lentamente, quase sem que se percebesse, logo vieram os romances de Jorge Amado, em seguida as canções de Vinicius de Moraes, Elis Regina, Tom Jobim, Chico Buarque, Maria Bethânia, Gilberto Gil, a guitarra de Baden Powell e sobretudo a figura felina do encantador de cobras Caetano Veloso. Tendo vivo à memória como se tivesse acontecido ontem, o dia em que Luis Zapata, na beira de uma piscina em Cuernavaca, colocasse diante de um vinil no Cinema Transcendental, a cair nas águas sob a sedutora voz de Caetano Veloso, são partes sonoras que fazem parte da vida.

  Porém quão difícil seria descrever esta terra harmonizada pelo mar, escondida por florestas, banhadas por seus rios, ventiladas por montanhas, aos arranha-céu de sonhos?

  Mas e São Paulo respira este ar de boas trilhas, as quais nos divulgam um Brasil cheio de melodias?
  A cidade está a passar pela maior crise causada pelas águas, de um lado a seca que deixa as torneiras vazias, com apenas ar saindo por elas, noutro lado, as águas mostram suas forças, inundando a cidade por completo. Cidade...a São Paulo é esquizofrênica, furiosa, ultrajante, tatuada de grafites, fotografias, cartazes, pichada. Porém, vestida para seduzir e recuperar o fôlego, nas noites apenas.

 A primeira coisa que um visitante percebe é que São Paulo tem uma vocação ao ar, perdida ao ar, em algumas de suas áreas mais emblemáticas ocorre uma desenfreada corrida por tocar as nuvens, aos golpes dos grandes edifícios, em vez de montanhas, um céu feito de janelas, varandas e terraços, telhados e antenas que brilham sua estranha beleza à luz da noite.

  São Paulo que pode desencantar o olhar ingênuo nas latitudes brasileiras, ao qual tem imaginário construído de palmas, bossa nova, areia, mar, e negritude de corpos túrgidos. São Paulo não é isso, leva um tempo para descobrir seu verdadeiro rosto, o lado escuro da cidade exige um período de abandono, gradualmente revelando seu perfil de uma peculiar amalgame portuguesa, japonesa, italiana, judia, africana e sul-americana.
  
O seu desenho urbano é sinuoso, longe da rede colonial espanhola de muitas cidades do México, há um atraso na descoberta do centro, centro que é o eixo inicial de onde começou o seu desenfreado crescimento. A dois anos vivendo neste cinza, é inimaginável um labirinto de passagens por avenidas, ruas, pontes, túneis, praças e jardins.

  Talvez por essa razão, a sensação que gravita na alma ao morar numa cidade dessa, é de conviver com inúmeros outros diversos sotaques e cores. Talvez seja por isso que o poema que define essa cidade esquizofrênica, seja o Contranarciso de Paulo Leminski (Curitiba, Paraná 1944-1989)


EM MIM
EU VEJO O OUTRO
E OUTRO
E OUTRO
ENFIM DEZENAS
TRENS PASSANDO
VAGÕES CHEIOS DE GENTE
CENTENAS

O OUTRO
QUE HÁ EM MIM
É VOCÊ
VOCÊ
E VOCÊ

ASSIM COMO
EU ESTOU EM VOCÊ
EU ESTOU NELE
EM NÓS
E SÓ QUANDO
ESTAMOS EM NÓS
ESTAMOS EM PAZ
MESMO QUE ESTEJAMOS A SÓS

'à vivência de Luis Miguel Rodríguez, na cidade esquizofrênica'

Postar um comentário

1 Comentários

Jonathan São Paulo disse…
Pra quem nasceu em Osasco é fácil dar linhas a um gringo, pra cutucar São Paulo né?