OBRIGADO, MIGUEL! - OBRA EM CONSTRUÇÃO ABANDONADA


Conto de Miguel Angel Fernandez (1948-2017)

Foram três os que saíram de repente da escuridão da obra em construção e dois a agarraram. O terceiro andava na frente, reconduzindo-os até o abandonado casebre do vigia. Mão na sua boca; voando entre os braços deles; fechou os olhos; permaneceu com eles fechados, mesmo quando voltou a sentir o chão sob os pés, e o calor da luz de uma vela sobre seu rosto.
- Babacas! Não é ela! Puta que o parió!
- Tem certeza?
- Tá me gozando? Não conheço a pilantra? Isso que dá junta de pentelhos.
- Merda, cara! Fazê o quê agora?
- Manda a dona embora, moleque.
- Pra caguetar a gente? Se reconhecé depois?
- Fazê o que, neguinho? Já fodeu. Vai matá?
- Sei lá. Por aí.
- Xápralá, vai. Melhor abandoná o campo e dá o fora.
- Quem garante que a velha não vai dá a ficha da gente?
- Ela vai? Aí, dona. Nem abre os olhos. Tá vendo alguém? Não, tá certo? É assim que vai ser. Não viu nem aconteceu nada, tá bom? Simbora, pentelhinhos, deixa ela aí.
- E a pistoleira? Se ainda aparecer?
- Fóda-se. Outro dia. Por hoje chega, mermão. Sujou. Fechou o expediente. Vamo’nessa.
- Tonce. Como é que é? Apago a velha?
- Neguinho. Tô falando com quem, caralho? Falei, va-mo-ne-ssa, porra! Tá vendo não, pivete, que a dona aí não tá com nada? Nem percebendo o que acontece.
- Sei não, bicho, periga cair em cana causa duma dona dessas. Posso usar a faca. Rapidinho. Sem barulho, nem nada.
- Olh’aqui, neguinho. Quem manda nesta merda? Tamo junto nessa, ou não? Que foi que eu falei?
- Tá limpo. Fica puto, não, Líder. Tá legal. Só não entendo as firula por causa duma dessas’aí. Pô, nem estrupo, nem nada? Assim, sem lucro. Eu tó na maior pendura, cara. Afim de comer a velha. Tu não, Gordo?
- Até comia.
- Tá vendo? O Gordo tá comigo.
- Tu também, Gordo? Puta que o pariu!
- Que "comia". Não que "matava".
- É rebelião dos pentelhos, é? Olh’aqui, se a gente comê a muiê, aí é que piora. Se deixar queto, vai dedar o quê? Se ela chamá os tira, vão até gozar na cara dela. Sacaram? Fica o dito pelo não dito. Só o susto e a corrida. Ninguém aprontou nenhuma. E tu, sua merda, fica de olho fechado que não mandei abrir! Tá querendo morré?
- Tá sim. Tá provocando.
- Tetão tem aí a velhinha, heim? Deixa passá a mão.
- Tá legal, se quiser comê, come. Eu tó fora e me evadindo do local. Noite de merda! Puta que os parió!
- Quanto fuzuê por uma dona dessas, porra. Tem coisa que nintendo que se passa na cachola desse cara.
- Passa, neguinho babaca, que eu bolei a jogada e a bola é minha. Tá ligado? Por que é de lei homem se vingar d’uma filha da puta que te mete os corno com teu pai, enquanto a gente tá dormindo no xilindró. Não vim cá pra matar gente que nunca vi, neguinho. Saco cheio dessa merda. Tá ligado? Então? Já falei. Tó em curso. Adiós, galera. Os moleque façam o que quisé com a dona. Se estupra, mata, é com vocês. Nem conheço a banda. Indo!
- Onde cê vai? Caralho, cara chato! Peraí, Líder, só uma trepadinha, cinco minutinhos. Três! Só isso. Não é mais pra sangrar, não! Né, Gordo? Vá lá, fala com ele.
- Eu não. Vai tu.
- Gordo bundão!
- Não enche o saco, neguinho. Pega logo na velha e vamo’nessa.
- Começa aí, vai, Gordo. Eu seguro o bagulho.
- Depois de tu.
- Gordo bundão! Até parece veado.
- Tu é cú mesmo, heim, baixinho! Dando onda e depois fica enchendo. Fôda-se! Tá ligado? Come sozinho a velha.
- Ué! Vai embora, Gordo? Peraí, galera! Porra, assim num dá. Vou comê a muié sozinho? E qual a graça? Quem vai segurar o bagulho? Volta aqui Gordo puto! São uns veados. Saco! E a culpa é tua, velha filha da puta! Posso te cortar, se eu quiser, tá sabendo? Aquele panaca não t’aqui pra te defender, velha escrota. Tá sabendo? Vai se preparando que vô te comê. Se abrí a porra desses olho, aí que tu vai conhecé quem te mata. Sem um pio, sarnenta! Vá logo com isso! Levanta as sáia e tira as calcinha. Vira aí, bota as mão na parede e põe o rabo pra fora. Abre essa bunda. Aííí, bundão gostoso tem a velha. E grita não, putona! Olha aqui a faca. Isso, assim mesmo que gosto. Gemer pode, que eu gosto, mas baixinho. Gostoso. Tá gostando, puta? Diz que sim! Se mexe, bruxa! Assim, assim que vou gozar. Vou gozar. Tô gozando, putona. Ah, coisada boa! Ah! Ei, essa é minha faca! Me dá ela aqui, velha escrota. Ai, caráio! Viu o que fez? Olh’aqui, tu me cortou a feize! Xi, vou te matar, filha da. Ai, porra, que tá fazendo? Ai! Mas. Peraí, velha! Pára com isso. Não empurra! Ei, tu me derrubou, sua vaca! Quer me matar, velha louca? Me dá essa faca que te perdôo, vai. Ai, minha mão! Que é isso, dona, cortou os dedo! Sai de cima de mim, filha d’égua! Sai! Ai! Galera! Gordo! Acode que a louca tá me matando! Ai! Mas. Mas, que merda. Pára, muié. Pára com isso, porra! Pirou. Ai, abre a porra desses olhos pra tu ver. O sangue no peito! Olh’aqui! Tá vendo? Ai, não tá vendo que. Que. Que tá me matando. Pára. Louca. Velha. Mãaaaae!
Ela levantou e jogou a faca sobre o corpo ainda estertorante.
- E, velha, é essa filha da puta de tua mãe, neguinho escroto!
Depois de se arrumar e chutar na cara do morto, saiu do casebre. Limpou o sangue dos sapatos mergulhando os pés numa poça de água. Quando chegou em casa, o primeiro que fez foi olhar-se no espelho.
- Velha, eu heim? Ainda dá pro gasto, viu? Moleque safado. Tsc!

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