As Histórias do Amadeu - Vôo 322

Por Ed Santos

- Catatau!
- Fala mulher!
- Tô com um pressentimento...
- Tipo o que?
- Sei lá! Parece que vai acontecer alguma coisa ruim, sabe?
- Meu! O que mais pode acontecer de ruim? O que tinha que acontecer, já aconteceu! Seu marido já descobriu, você já levou fama de vagabunda, e sua filhinha querida deve tá se acabando de chorar lá naquela cidadezinha de gente que acha que tem visão, mas não tem. Num entendo. Eu to di boa.
- Para de falar assim! Não gosto quando você fica aí todo sem culpa, e falando mal dos outros. Eles eram minha família!
- Disse bem ERAM! Não são mais. Você abandonou o barco! Cê acha que eles ainda querem olhar na tua cara? É ruim, hein!
- Será que dá pra você não falar desse jeito? Afinal larguei tudo pra ficar com você!
- Tá bom, tá bom. Então vai lá dentro pegar uma sunga pra mim que quero dar um mergulho nessa nossa piscina. Vou aproveitar que a gente tá com pouco hóspede.
- Boa idéia. Acho que vou fazer a mesma coisa.
- Mas você não disse que ia cuidar da horta?
- Disse mais depois eu cuido. Quero ficar aqui também
- Ô Marilda! Desse jeito não vai dar não! Assim a gente vai falir logo logo. Essa pousada não vai pra frente não, hein!
- E porque você não vai então?
- Porque você disse que ia. Aí eu me programei pra dar uns mergulhos.
- Se programou? Então eu trabalho, e você fica no bem bom?
- Eu já fiz a minha parte hoje.
- Parte! Que parte?
- Baixei a tampa da privada depois de fazer xixi. E olha que não deixei cair nenhuma gota fora, hein!
- Pelo amor de Deus! Não sei como minha filha te agüentava!
- Da mesma forma que a mãe agüenta, minha deusa!
- Sai fora ô! Que deusa o que? Tô vendo que isso vai ficar esquisito.
- Vai lá vai, minha sogrinha querida, pega uma sunguinha pro seu genro vai! Depois eu te dou uns beijinhos.
- Se você quiser, que vá você. Aqui não tem nenhuma empregada sua não. Eu vou é lá pra minha horta que eu ganho mais.
- Agora sei por que o velho Amadeu não te suportava! Você é muito mal-humorada! Mas pelo menos se vê que trabalha. Quando vier da horta, trás alguma coisa pra eu comer que to me acabando de fome.

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O Amadeu mesmo sem concordar com a filha Flavinha, resolveu esperar pra ver o que ela queria fazer quando encontrasse o pai, que foi buscá-la no aeroporto. Chegou um pouco depois do horário previsto para o pouso, mas o vôo da filha atrasou um pouco também, e ele resolveu tomar um café.

- Um expresso por favor. Pequeno.
- Puro ou com leite, meu rei?
- Puro.
- Vai um pãozinho de queijo pra acompanhar?
- Não, obrigado.
- Se precisar de alguma coisa a mais me chame tá?
- Obrigado, mas só o café por enquanto.
Enquanto espera o preparo, Amadeu resolve perguntar:
- Me diga. Você é dono aqui ou é empregado?
- Empregado, meu rei. Eu lá tenho cara de barão? Tu é que tem esse cara aí de turista carioca que vem pra Bahia pra não querer voltar mais. Já viu o que que a baiana tem?
- Como posso falar com o dono?
- Pra que tu quer saber?
- Quero falar com ele, só isso.
- Tome aqui o cartão dele. Mas o homem tá pra Salvador. Muito negócio sabe, ele num para não. Só vai tá por aqui para a semana.
- Obrigado!
- Por nada.

Apreciando o líquido em generosas goladas na xícara branca, ele ouve a voz metalizada: “Passageiros do vôo 322, desembarque pelo portão 1”. Era o vôo da Flavinha.

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