Ele
criou Veridiana. Ela inventou Osmar. Veridiana expressava o lado feminino de
Felix Mendes, jornalista e escritor de muito sucesso, com cinco livros entre os
dez mais vendidos do país.
Osmar
era o lado macho de Patrícia Fritzcovitz, formada em Letras e um fenômeno
emergente que colocou o seu primeiro livro, Ex-Namorado,
de publicação paga, no mesmo top 10 em que figurava o livro de Felix, Em Busca do Desencalhe.
Apesar
de mulher, Veridiana era um alter-ego de Felix. Não que ele fosse gay, mas a
protagonista do seu novo livro era uma jornalista bem-sucedida na profissão.
Segura de si, viu a menopausa se aproximar e correu contra o tempo para arrumar
um marido, que nunca tinha conseguido por excesso de trabalho e pelo seu maior
defeito: a sinceridade. O pretendido não precisava ser o homem perfeito e nem
podre de rico. Mas alguém que a fizesse feliz. No fim, conseguiu tudo o que
queria.
Osmar,
por sua vez, era a personificação de um ex-namorado de Patrícia: musculoso,
galinha e rude no início do romance, quando ele a traía com diversas mulheres.
No entanto, revelou-se uma pessoa honesta e frágil emocionalmente. A vilã da
história acabou sendo a ex-namorada do protagonista, hipócrita e manipuladora,
um perfil antagônico ao da própria autora. Judite, seu alter-ego, traiu Osmar
primeiro e ele estava apenas buscando um novo amor. Sem sucesso.
Em Busca do Desencalhe foi o sexto livro e o primeiro de
ficção de Felix. Os outros cinco foram uma biografia de um diretor famoso,
outra de um ex-jogador de futebol e uma trilogia jornalística sobre a história
do Brasil.
Ex-Namorado foi pago com a bolada em dinheiro
que a sua mãe ganhou na loteria. Uns cem mil reais, que deu para imprimir mil
exemplares, contratar uma boa assessora de imprensa para divulgar o livro e
ainda figurar entre os dez mais vendidos do país. Evidente que a tiragem
aumentou. De mil passou a dez milhões. Todos vendidos. Fora o e-book.
Patrícia assinou contrato com outra editora maior e recebeu um adiantamento que permitiu a ela reembolsar a mãe. Dona Maria recusou, mas aceitou uma viagem à Europa com a irmã, tia de Patrícia, como presente de aniversário.
Patrícia assinou contrato com outra editora maior e recebeu um adiantamento que permitiu a ela reembolsar a mãe. Dona Maria recusou, mas aceitou uma viagem à Europa com a irmã, tia de Patrícia, como presente de aniversário.
Para
Patrícia vieram os convites para entrevistas em vários meios de comunicaçãp. Na
televisão, participou de um programa de auditório matutino diário ao vivo cujo
tema foi literatura e romances. Ao seu lado, quem estava no amplo sofá da
apresentadora era Felix, já acostumado
com o assédio da mídia.
Felix
tinha 45 anos, bonitão, de cabelos grisalhos e corpo atlético. Também era
solteiro. Patrícia estava entrando nos trinta anos, tinha pele clara, cabelos
compridos pretos, era magrinha e seios médios. Após romper com o tal homem que
inspirou o seu romance, estava curtindo a sua solteirice, que começava a
demorar para acabar.
Nos
bastidores, Félix percebeu o nervosismo da tímida Patrícia, inexperiente com os
holofotes. Contou piadas e brincou de criticar a roupa da apresentadora para
descontraí-la. Nos intervalos do programa conversaram bastante. Ao fim, saíram
juntos e a sós do estúdio da emissora para almoçarem em um restaurante na
Lagoa. O casal recusou o convite de um almoço com a equipe de produção e a
apresentadora no Jardim Botânico.
O
almoço terminou em beijos. Esticaram para o motel. Uma semana depois anunciaram
o namoro para a família: os pais e a irmã mais velha de Felix e a mãe e a tia
de Patrícia. Mais quatorze dias e a mídia ficou sabendo do romance. Foram morar
juntos no mês seguinte. Se casaram seis meses depois. Patrícia já estava
grávida.
Durante
esse período Em busca do desencalhe e
Ex-Namorado dividiram o Prêmio
Jabuti. O casal também já tinha lançado, cada um, o seu novo livro. Felix mais
uma biografia, desta vez de um ex-presidente do Brasil. Já Patrícia publicou um
ensaio sobre maternidade. Ambos estouraram, mas só o de Felix ganhou o Jabuti
no ano seguinte.
O
casal Mendes-Fritzcovitz já estava com oito livros no Top10. Felix perdeu um
porque a biografia do diretor caiu no ranking, esquecida. E Patrícia colocou os
seus dois livros. O segundo, já pela nova editora do adiantamento que reembolsou
o investimento de sua mãe.
Depois
do nascimento de Veridiana, nome da protagonista do livro de Felix, aliás, através
de um parto muito difícil que quase matou mãe e filha, Patrícia se recuperou muito
bem e planejou escrever com o marido um romance juntos. E a história uniria os
dois protagonistas do casal: Veridiana e Osmar.
Cada
um escreveu as ações da sua personagem enquanto o outro se revezava para cuidar
da Veridiana da vida real. Discutiam a montagem das cenas e revisavam juntos
enquanto a menina estava dormindo. O livro de 300 páginas e o texto dividido em
20 capítulos ficou pronto em dois meses.
No
romance, Veridiana ficava viúva do marido rico e belo que encontrou no primeiro
livro de Felix. O amor perfeito morreu de câncer. Na volta do velório, quando
chegava em casa, ela foi rendida por assaltantes, mas salva por Osmar, personagem
de Patrícia, que passava acidentalmente no local e deu uma surra em três dos
quatro ladrões. Ele acabou baleado no pulmão pelo quarto e ficou em estado
grave.
Arrependida
e culpada, Veridiana o socorreu e ficou o tempo todo ao seu lado, no CTI. Duas
semanas depois, Osmar foi transferido para o quarto. E mais cinco dias teve
alta. O marido falecido foi esquecido. Ela nem foi ao enterro. Mas ganhou uma
boa herança, a qual gastou uma parte com as despesas médicas de Osmar, que era
pobre.
Já
recuperado, Veridiana e Osmar se apaixonaram. Só se casaram depois de
enfrentarem a oposição da mãe do falecido marido dela - revoltada com a nora
ter superado rapidamente a perda do seu filho - e de Judite, a ex manipuladora
de Osmar (aquela inspirada na própria Patrícia), que voltou a procurar o antigo
namorado quando o reconheceu no jornal por seu feito heroico. Rejeitada, ela
jurou vingança e se uniu à ex-sogra de Veridiana. O final, claro, foi feliz
para o casal de protagonistas do casal de verdade.
Amor Heroico foi publicado pela editora de Felix.
Isto já começou desagradando Patrícia, que precisou rescindir o contrato com a
sua, que previa três livros e ela só tinha lançado aquele sobre a maternidade.
Acabou processada e obrigada a devolver o adiantamento pelo segundo livro. A conta bancária de Patrícia ficou um pouco
abalada.
O
livro escrito a quatro mãos pelo casal foi um sucesso, como aqueles dois
assinados individualmente por eles quando solteiros. Depois de dominar a lista com
os dez livros (a biografia do diretor voltou para a lista) e ganhar mais um
Jabuti com Amor Heroico, o casal
vendeu os direitos dos três romances para uma produtora de cinema. E aí começou
a briga.
Como
os livros de solteiro eram independentes, Felix e Patrícia demoraram para chegar
a um acordo sobre qual produzir primeiro. Um ficou com ciúme do outro. Não só
como escritores, mas também pelo assédio romântico de outras pessoas.
Depois
de muita discussão, o casal decidiu autorizar primeiro o livro de Felix, com a
história de Veridiana. Depois seria o Osmar de Patrícia. O livro a dois não foi
adaptado porque o casal se divorciou antes e precisou devolver o dinheiro à
produtora. Mais um abalo financeiro para Patrícia. A conta bancária de Felix só
sentiu um pequeno arranhão.
Patrícia
flagrou Felix com outra mulher. E de vingança se envolveu com o ator que
interpretou o marido falecido de Veridiana, de quem ele já estava desconfiado
de um possível romance. Felix argumentou que foi traído primeiro.
Ela
ainda processou o ex-marido por danos morais decorrentes da decisão dele de obrigá-la
a rescindir com a sua editora. Patrícia ganhou a causa e Felix foi obrigado a indenizá-la
pelo adiantamento perdido. Ele exigiu uma pensão alimentícia para criar
Veridiana, que ficou com o pai porque Patrícia não queria lembrar do nome da
personagem de Felix. O mau-caráter de Judite acabou se tornando real em Patrícia.
Patrícia
escreveu um novo romance depois da separação. Felix também. No dela, Osmar (que
passou a ser inspirado no ex-marido) traiu Veridiana (agora chamada de A Outra)
e ainda a espancava. Foi preso e, quando solto em condicional, procurou Judite
(inspirada na própria Patrícia), que virou a mocinha. Rejeitado, passou a
ameaçá-la. Foi morto pelo policial que caçava o maníaco Osmar. Judite casou-se
com o agente da lei e viveram felizes para sempre. Patrícia casou-se com o ator
que interpretou o falecido marido de Veridiana do romance de Felix. Tiveram um
filho, que ela chamou de Henrique Júnior.
No
novo livro de Felix, Vida pra Frente,
Veridiana ficou insatisfeita com o casamento e a traição de Osmar, também com o
nome não mencionado. Reiniciou a busca por um novo marido, que seria o
terceiro. Veridiana tocou a sua vida para frente e, diferentemente do primeiro
livro, terminou a história sozinha. Concluiu que o casamento não valia a pena.
Felix
fez o mesmo. Partiu pra outra. Cuidou da verdadeira Veridiana sozinho. Abriu
mão até da obrigação de Patrícia ter que lhe pagar pensão alimentícia, até
porque ela estava falida.
Ex-Marido, o novo livro dela - publicado de
graça, por piedade, pela editora com a qual rompeu para escrever Amor Heroico
com Felix - foi um fracasso de vendas. Ex-Namorado
e Virei mãe, gente! saíram de
circulação. O filme baseado em Ex-Namorado
também teve baixa bilheteria e só rendia um salário mínimo. Só o livro a quatro
mãos vendeu bem. Mas a parte que ela recebia mal dava para pagar as dívidas
acumuladas por causa da sua compulsão por compras e gastos desnecessários.
Também foi abandonada pelo seu novo marido, que não suportava mais o seu
descontrole emocional. Ficou com a guarda de Henrique e Patrícia nem se importou.
Abandonou o seu segundo filho.
Félix rodou
o mundo de veleiro com a filha Veridiana. E ainda fez disso um reality-show.
Dinheiro não era problema. Seus oito livros anteriores continuaram na lista de
best-sellers, incluindo Amor Heroico. A bilheteria do filme e da peça Em Busca
do Desencalhe também rendeu um bom dinheiro. Só Vida pra Frente, que ele escreveu depois da separação, foi um
fiasco.
Felix
continuou famoso e rico. Seus livros, incluindo os romances ligados a Patrícia,
foram traduzidos e vendidos em 100 países. Voltou a se dedicar aos livros de
não-ficção, incluindo o relato da volta ao mundo que fez com Veridiana.
Patrícia
foi internada numa clínica psiquiátrica com depressão e também para se tratar
da sua compulsão consumista. Recuperada, fez concurso público para assistente
administrativa e ficou enfurnada numa repartição sem janelas, levando uma vida
simples e cuidando da mãe e da tia até elas morrerem. Nunca mais escreveu um livro. Sumiu da mídia.
Crescida,
Veridiana formou-se em turismo e se tornou muito bem-sucedida como escritora e
fotógrafa. Seu primeiro e único romance, que narrava a história de um amor
incestuoso com o meio-irmão com quem não teve contato até se envolverem, ficou
um ano na lista dos mais vendidos e ganhou um Jabuti, além de um Booker Prize. Patrícia,
sua mãe que a abandonou, foi retratada como a vilã da história.
O
livro foi baseado em fatos reais. Henrique era o tal meio-irmão, de quem chegou
a engravidar, mas perdeu o neném. Casou-se com um empresário paulista logo
depois, mas se separou dele em menos de um ano.
Como
o pai, Felix, concluiu que o casamento não vale a pena. E escrever romances de
ficção também não. Dedicou-se aos guias de viagem.
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